...exatamente nesse dia eu estava aterrizando em Schiphol (se você não sabe o que é, olha no Google). Era tudo tão bonito naquela época, eu andava pela cidade parecendo uma bêbada, cada casinha, cada jardim, cada passarinho. Parecia que eu estava vendo todas essas coisas pela primeira vez na vida. Era tudo tão surreal pra mim. Eu era só uma menina que ainda vivia uma vida de pós-adolescente e de repente estava realizando seu segundo maior sonho na vida, eu estava na Europa!
De lá pra cá tanta coisa mudou, aquela menina cheia de sonhos e esperanças se tornou uma mulher, cheia de responsabilidades e com algumas frustrações. A fase bêbada passou uns seis meses depois que cheguei aqui, a rotina fez o favor de tirar qualquer surrealismo que havia em estar morando por aqui e tudo se tronou real, comum e os defeitos começaram a aparecer. Mas mesmo com os defeitos ali, na cara, berrando pra que eu prestasse atenção, as coisas boas ainda prevalecem. Viver na Europa há muito tempo deixou de ser sonho. O conto de fadas virou realidade há pelo menos três anos. Mas a realidade que tenho hoje é imensamente melhor do que a que tinha quatro anos atrás.
Aqui eu me sinto livre, posso ser eu mesma o tempo todo e não tenho mais que ficar fingindo que gosto de caos, que gosto de bagunça, que me importo com coisas que não tem sentido e que adoro abraçar desconhecidos. Ao contrário da maioria dos meus conterrâneos que vivem pelas bandas de cá, eu não sinto a menor falta do tal do calor humano pelo simples fato de que eu nunca fui lá muito calorosa. No Brasil eu sempre fui considerada bastante fria e seca, aqui eu sou normal. Não sei exatamente se isso é parte da minha personalidade ou se é a minha timidez influenciando na minha vida social. Nunca fui de ficar enchendo a cabeça dos outros com os meus problemas e nem de ficar chorando mágoas com quem não tem nada a ver com isso, mas sempre tive que aturar esse tipo de comportamento dos outros. Aqui isso não existe, é cada um com seus problemas e eu realmente prefiro assim, é menos hipócrita. Não que o holandês não seja hipócrita nunca, mas a hipocrisia deles tem mais a ver com politica e diplomacia do que com relacionamento pessoais.
Rotterdam em um dos 300 dias anuais cinzentos e chuvosos |
Outra coisa que sinto muita falta é da comida brasileira. Cansei de ir ao supermercado aqui e não ter nenhuma inspiração pra cozinhar porque a diversidade é tão pequena. Aprendi a cozinhar aqui e, modéstia à parte, sou super prendada. Sei fazer de pão de queijo à sushi sem o menor problema. Sou péssima em seguir receitas, gosto mesmo é de abrir a geladeira, olhar o que tem dentro e improvisar com isso. O resultado é quase sempre muito bom! Mas por isso, toda vez que eu quero repetir aquele prato magnifico que fiz, ele sempre sai diferente pois sempre é feito na base do improviso. Meu marido é que é ótimo em seguir receitas, ele assiste os programas de culinária e depois põe em prática e fica tudo divino. Tirei a sorte grande!
Sinto um pouco de falta da espontaneidade também. De ligar pra alguém e perguntar o que vai fazer hoje a noite e acabar marcando algo. Aqui é tudo agendado com antecedência e ninguém faz nada assim, do nada. Mesmo que a pessoa não tenha absolutamente nada pra fazer hoje a noite, se não estava programado na cabeça dela que hoje era dia de sair e encontrar os amigos, ela prefere ficar dentro de casa. Confesso que com o passar dos anos eu acabei ficando um pouco assim também. Até uma simples ida ao cinema com o marido acaba tendo que ser planejada com antecedência. E também não existe aquela coisa de saber que a maioria dos seus amigos se encontra normalmente naquele bar ou naquela parte da cidade e você pode simplesmente ir até lá que sempre haverá alguém pra bater um papo e tomar uma cerveja.
Saudades da comidinha de Minas... |
Aqui eu aprendi que família não é necessariamente de sangue. Aprendi também que só existe a possibilidade de viver dignamente se todo mundo do país tiver essa possibilidade, desde os mais ricos até os mais pobres. E pra garantir isso o governo nos faz pagar impostos altíssimos, mas você prefere pagar imposto alto para que as pessoas pobres possam viver uma vida digna e consequentemente você possa viver sem medo ou que essas mesmas pessoas pobres venham te assaltar porque não tem condições de comprar comida ou pagar um aluguel? Foi aqui também que eu descobri o real valor do dinheiro e o realmente significa ter que fazer escolhas sérias de como o dinheiro ganho será gasto. Descobri também o significado da palavra discriminação. Descobrir o que é nunca realmente pertencer ao local que mora, por mais que você se esforce. Descobri que por ser estrangeira, eu nunca vou ser "boa o suficiente" aos olhos dos nativos. Ainda bem que sou branca, não religiosa e venho de um país que todos gostam, porque se eu já sofro tanta discriminação nessas condições, imagina uma pessoa que veio do Afeganistão, por exemplo.
Mas foi aqui também que eu descobri o que é amar alguém mais do que qualquer coisa nesse mundo, o que é não conseguir imaginar a vida sem essa pessoa. Sim, logo eu. A pessoa mais anti-romance que eu já conheci é a mesma pessoa que passou por poucas e boas para ficar ao lado de quem ama.
Mas mesmo com todos os problemas, morar aqui me faz feliz. Como eu já disse, pela primeira vez na vida eu descobri que posso ser eu mesma, sem máscaras e sem hipocrisia. E o melhor de tudo é poder conhecer outros países gastando pouco (coisa que ainda não aconteceu o tanto que eu gostaria, mas a partir do ano que vem isso vai mudar) e poder ir ao shows e festivais que eu nunca teria chance de ir se ainda estivesse morando em BH. Enfim, eu saí do Brasil uma menina e virei uma mulher aqui. Aprendia a selecionar o que me afeta e a parar de sofrer por antecipação. Sou super feliz, porém a melancolia será sempre uma parte de mim. Deal with it!